terça-feira, 8 de dezembro de 2009

I Parada da Diversidade Humana - Russas- CE - 05-DEZ-2009

ARDH: Associação Russana da Diversidade Humana

dá aula de cidadania no meio da rua


José Wellington de Oliveira Machado*





Precisamos de uma antropoética planetária, de uma ética, de uma poética, de uma estética e de uma erótica que leve em conta os indivíduos, que respeite a sociedade e o cosmos, que pense a diversidade, que respeite as pessoas. Precisamos, mais do que nunca, de novas sensibilidades, de novas subjetividades que respeitem a diferença de quem é diferente e compreenda que ser diferente não significa ser inferior. Que perceba a diferença como algo que nos faz humanos.

Somos diferentes e somos iguais. Temos o direito de não aceitar, de forma ingênua, os dogmas da sociedade, temos o direito de exigir, ao mesmo tempo, a igualdade de direitos e a diversidade de costumes, o amor ao próximo e o amor a humanidade. Esses princípios estão garantidos na “Declaração Universal dos direitos Humanos” que prega os direitos e as liberdades sem distinção de qualquer tipo, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.

Ao falar da Associação Russana da Diversidade Humana (ARDH) e da “I Parada Regional da Diversidade Humana”, estamos falando de um conjunto de Direitos conquistados ao longo do século XX e do século XXI. Quando Luma Andrade (Presidente da ARDH) sobe no trio e fala dos 61 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, está resgatando uma história e ao mesmo tempo está dizendo que precisamos colocar em prática inúmeras leis que já existem no papel.

Mas, antes de falar do dia 05 de Dezembro, dia da Parada Regional da Diversidade Humana, precisamos entender a importância dessa Declaração e em que contexto ela foi criada. No século XIX, já se falava em direitos humanos, já se falava em liberdade, em igualdade, em fraternidade, mas foi no século XX que o “mito do mundo moderno” entrou em crise. Através do rádio, e posteriormente, da televisão, o mundo, ou parte do mundo, viu milhões de pessoas serem mortas ou ficarem sem braços, sem pernas, sem pés, sem mãos, sem mentes, sem razão para viver.

Após a Primeira Guerra Mundial foi criada a Liga das Nações que, assim como a ONU, tinha como missão “promover a cooperação internacional e alcançar a paz e a segurança”. Em compensação, O nazi-facismo, principalmente o nazismo, se tornou símbolo da (i)racionalidade humana, da razão, ou melhor, da desrazão técnico- científica que produziu guerra e morte, que irradiou intolerância e preconceito contra homossexuais, judeus, negros, eslavos, ciganos, epiléticos, e muitos outros. O nazi-facismo se tornou símbolo da intolerância, da perseguição, da supervalorização do "eu" (facista), supostamente, perfeito e normal.

Contraditoriamente, os nazistas falavam de beleza, chegaram, inclusive, a criar uma espécie de filosofia do belo e do normal, do forte e do perfeito. Essa beleza ariana, estava associada à destruição do que chamavam de feiúra, de demência, de loucura, de infâmia. Os nazistas, que se achavam perfeitos, tinham medo de tudo que representasse a diversidade, por isso que mataram judeus, negros, homossexuais e crianças com necessidades especiais; por isso esmagaram corpos humanos como se fossem baratas e ratos (mais de 12.000.000 de pessoas). Por isso, esmagaram sonhos, destruíram obras de arte, queimaram livros, perseguiram escritores e poetas que consideravam “malditos”.

Essa filosofia, ou melhor, esta estética do preconceito e da morte, não morreu com Hitler ou com os nazistas, ela esteve presente na Europa, na África, nos Estados Unidos, no Brasil, na União Soviética, em Cuba e em outros países que se diziam “comunista” e eram machistas, racistas e homofóbicos. O nazismo é mais do que um regime, é uma filosofia de vida, está presente no corpo e na alma das pessoas, que cotidianamente, cospem preconceitos da mesma forma que os alemães, sem farda e sem insígnia nazista, cuspiam nos judeus ao entrarem nos “vagões da morte”.

Quando a Luma (travesti, Dra. Em Pedeagogia) subiu no Trio, em frente a CREDE 10, em Russas, e falou dos 61 anos dessa Declaração, mostrou na prática que é possível e necessário defender, no meio da rua, os direitos fundamentais da humanidade. No final da década de 40 do século XX o mundo não podia ficar calado diante de tanta desumanidade, não podia fazer de conta que tava tudo bem, é por isso que surgiu a Organização das Nações Unidas, é por isso que criaram a Declaração Universal dos Direitos Humanos.

No final da década de 10, do século XXI, a ARDH, resgatando a Declaração Universal dos Direitos Humanos, foi pra rua denunciar a intolerância, o preconceito e os crimes que ainda existem. No dia 05 de dezembro a ARDH, e as outras associações presentes, levantaram suas bandeiras e mostraram às 5000 pessoas que acompanharam o trio ao longo da Avenida que o Vale do Jaguaribe é colorido, é plural, é diverso como as cores do arco-íris. Foi uma verdadeira aula de Direitos Humanos no meio da rua. Parabéns!


*Graduado em História pela FAFIDAM/UECE, Pós-graduando em Arte-Educação e Cultura Popular pela Universidade Darcy Ribeiro e Facilitador de Arte/Cultura do Projovem Adolescente de Limoeiro do Norte - CE.

sexta-feira, 9 de outubro de 2009

Para Que Existe a ARDH?


Conforme pesquisas realizadas pela UNESCO em algumas capitais brasileiras publicadas no livro “Juventude e Sexualidade” (Abranway, 2004). Os resultados indicaram entre outros tópicos, que cerca de 27% dos (as) estudantes não gostariam, por exemplo de ter um (a) colega de classe homossexual, 60% dos (as) professores (as) não sabem como abordar a questão em sala de aula, 35% dos pais e mães não apóiam que seus filhos (as) estudem no mesmo local que gays e lésbicas e 49% dos estudantes masculinos disseram que homens que têm relações sexuais com outros homens são “doentes”. Ressalte-se que a capital considerada com maior rejeição aos homossexuais foi a cearense, Fortaleza-ce.


Outra pesquisa interessante sobre preconceito nas escolas divulgada na Agência Brasil, aponta que 99,9% dos entrevistados desejam manter distância de algum grupo social. Os deficientes mentais são os que sofrem maior preconceito, com 98,9% das pessoas com algum nível de distancia social, seguidos pelos homossexuais com 98,9%, ciganos (97,3%), deficientes físicos (96,2%), índios (95,3%), pobres (94,9%), moradores da periferia ou de favelas (94,6%), moradores da área rural (91,1%), e negro (90,9%). De acordo com tais resultados a pessoa preconceituosa nunca terá apenas um preconceito, mas vários. Assim por uma questão histórica da sociedade ocidental aqueles que não estão incorporados na forma da cultura hegemônica serão negados e excluídos pelo simples fato de serem diferentes.


Devemos compreender que as pessoas são preconceituosas não por assim quererem, mas por uma educação que surge desde a família que produz e padroniza o sujeito, imobilizando-o em identidades fixas não conhecendo assim as diferença. A final quem é igual a quem? Somos todos diferentes, mas existe uma tentativa de padronização o que remete o homem ao suicídio pela omissão de sua singularidade. Como ser feliz se negando o tempo todo? Temos que criar linhas de fugas desta realidade e a ARDH surge na intenção de aglomerar os diferentes minoritários para afirmação de suas culturas não de forma a fixar tais sujeitos em uma identidade, mas de promover devires da diversidade. Tal diversidade não se limita a sexual, física, mental, geracional, classe social, raça, mas toda e qualquer diversidade cultural que não se encaixa na forma humana idealizada pela sociedade ocidental.
Russas, 08 de outubro de 2009.

Luma Nogueira de Andrade
PRESIDENTE DA ARDH

"A escola não ensina a viver com a diferença", diz primeira travesti do Brasil a cursar doutorado


Luma Andrade ganhou destaque ao ser perfilada pelo jornal Folha de São Paulo, na edição do dia 4 de janeiro, que chamava atenção pelo fato de ela ser a primeira travesti do Brasil a chegar ao doutorado, o mais alto nível do mundo acadêmico. Aos 31 anos, do signo de leão e natural do Ceará, Luma conversou com a reportagem do A Capa. Muito simpática contou o começo de sua vida nas escolas. "Eu apanhava por ficar com as meninas". Ela falou também sobre a dificuldade de uma travesti permanecer no colégio. Por conta dessa realidade, Luma resolveu levantar a tese de como é a vida das travestis no ensino público. Para ela, enquanto não mudarem o método aplicado e não passarem a tratar bem as travestis nas escolas, pouca coisa vai mudar. "Ela [a travesti] é testada o tempo todo, é chamada de homem. Então, é muito constrangedor, isso acaba excluindo. Eu passei por tudo isso, mas ergui a cabeça e segui. A maioria não consegue", reconhece Luma. Confira a seguir a entrevista.


Em seu Estado, Ceará, você coordena 28 escolas?Até o ano passado eram 28, hoje são 26. Como é a recepção quando você chega a esses colégios?No inicio foi muito complicado, a presença de uma pessoa diferente na escola ainda causa impacto, ainda não se trabalha a questão das relações interpessoais e a questão da vivência com a diferença, até porque o próprio professor não tem formação para isso. Na universidade eles não oferecem a possibilidade de se trabalhar com a diversidade, aí eles incorporam o que a escola ensina, aquilo que é chamado de normal, que é a questão de viver como hétero. E segundo [Michael] Focault, isso na verdade é um estabelecimento de uma sociedade, mas que pode sofrer alteração.


Em seu Estado, Ceará, você coordena 28 escolas?Até o ano passado eram 28, hoje são 26. Como é a recepção quando você chega a esses colégios?No inicio foi muito complicado, a presença de uma pessoa diferente na escola ainda causa impacto, ainda não se trabalha a questão das relações interpessoais e a questão da vivência com a diferença, até porque o próprio professor não tem formação para isso. Na universidade eles não oferecem a possibilidade de se trabalhar com a diversidade, aí eles incorporam o que a escola ensina, aquilo que é chamado de normal, que é a questão de viver como hétero. E segundo [Michael] Focault, isso na verdade é um estabelecimento de uma sociedade, mas que pode sofrer alteração.


Você desenvolve um trabalho de pedagogia nas escolas?Trabalho na 10ª Coordenadoria Regional de Desenvolvimento de Educação e a gente trabalha na parte pedagógica. Mas acaba que nós também trabalhamos com as questões interpessoais. Você acompanha alguns casos de alunos?Em um caso tive que intervir. A professora estava chamando os pais de um aluno porque ele tinha um comportamento homossexual na escola, a diretora queria discutir o comportamento do aluno. Sentamos todos juntos, eu apresentei alguns casos e levei informação, pois eles não têm essa informação, a gente não pode culpá-los, pois não há trabalho na formação deles [professores]. Há necessidade de eles terem esse conhecimento, aí sim você pode cobrar.


A escola é um espaço homofóbico? Depende de quem está a frente do colégio. A mola mestre da escola é o gestor do colégio. Se o gestor da escola é uma pessoa que não tem uma abertura para um ensino diferenciado, mais contemporâneo, uma educação mais liberta, ele vai cometer uma educação tradicional e nisso cabeças rolam, não só das travestis. Dos deficientes, dos negros... Enfim, as diferenças como um todo. Falo isso porque, quando se fala que vai trabalhar a questão dos deficientes, você acaba por excluir e não é essa a ideia. Tem que trabalhar o conjunto. O ideal é que a questão da inclusão não seja ilusória. Eles fazem assim: "vamos incluir os deficientes físicos", aí chega uma verba para se fazer as rampas. Será que só isso é inclusão? Eu entendo que não, porque isso acontece de uma maneira meio que de pena. "Ah pobrezinho da travesti e do deficiente, vamos colocá-lo na escola".


Falta uma renovação de método?É exatamente isso. Faltam novas propostas e novos programas, ainda há muita coisa a ser feita. Estive presente na conferência nacional de educação e na ocasião ressaltei essas questões.


A sua tese trata das travestis em escolas públicas. Como você entende essa questão? Ela é muito complexa. Primeiro, porque a travesti é homossexual. Nessa fase, que às vezes nem sabe que é homossexual, ela é muito xingada, mal tratada. Eu sei por experiência própria. Me xingavam, me batiam, porque eu só andava com as meninas... Então, se você está num ambiente que te trata mal, que não te faz bem... essa não é a proposta da escola, que tem que te fazer bem. A partir do momento que ela [a escola] não consegue fazer isso, você só vê a saída. No caso da travesti que não consegue ser chamada como gostaria, ser xingada, ser considerada um homem que se veste de mulher - e isso está no próprio dicionário: travesti é um homem que se veste de mulher -, tem que haver uma mudança nessa compreensão e nesse pensamento. Quando isso acontecer, a travesti vai se sentir incluída.


O ambiente escolar exclui a travesti? Dependendo de como ocorrem esses tipos de atitudes citadas, exclui sim. E isso acontece com a maioria, a travesti é testada o tempo todo, ela é chamada de homem, então é muito constrangedor, isso acaba excluindo. Passei por tudo isso, mas ergui a cabeça e segui, mas a maioria não consegue, porque aí vem a prostituição que lhe oferece uma maneira de ganhar dinheiro mais rápido.


Você afirma que é preciso desconstruir a imagem da travesti que só faz programa. Como fazer isso? Primeiro é dar a elas a possibilidade de frequentar a escola e de se sentirem bem nela. Também é preciso fazer um trabalho de conscientização na escola e tratá-las como cidadãs. A travesti está na escola exercendo um direito que é a educação. A partir do momento que ocorre uma sensibilização da escola em tratá-las como amigas. Mas, até agora não aconteceu nenhum tipo de trabalho de capacitação nacional que trate da diferença nas escolas.


Na seleção dos projetos acadêmicos colocaram o seu nome de batismo. Como você lida com isso? Isso não me causa nenhum problema. A maioria das pessoas me chama de Luma. Agora, se você me perguntar do que você prefere ser chamada, aí sim, de Luma. Porque ela é a minha identidade. Agora estou pensando em entrar na justiça para mudar o nome.


Qual a sua opinião sobre o projeto 'Brasil Sem Homofobia'? Ainda está muito no papel, tive a oportunidade de fazer parte do começo dele [do projeto], que também foi construído por uma travesti aqui do Ceará, a Janaína Dutra, que é uma travesti advogada. Mas assim, tem que transformar aquilo que foi idealizado em realidade. Sei que o processo é difícil, porque não depende só da gente, tem o Congresso Nacional que a maioria é fundamentalista, é uma coisa que vai demorar.


Você relata à reportagem do jornal Folha de São Paulo que houve um diretor de uma escola que espionava as suas aulas e que não queria aceitar você. Além dessa situação, você passou por algum outro tipo de constrangimento? Não. Ele [o diretor] tinha uma curiosidade de ver o que acontecia porque não confiava. A partir do momento que ele viu que eu dominava a aula, que eu tinha um elo de amizade com os meus alunos, isso mostrou pra ele que realmente eu tinha um trabalho, aí passou a ter outro olhar, viu que era possível [uma travesti dar aula].


Como é para uma travesti, em um país preconceituoso como Brasil, chegar ao doutorado?Eu nem sabia que era a única do Brasil, quem me disse isso foi a repórter [Kamila Fernandes] da Folha. Que bom. Que sirva de lição para as outras, e que façam disso uma coisa normal. Mas eu penso assim, qualquer pessoa, independente do sexo, tem o direito de buscar o conhecimento. Estou fazendo isso.



No momento você está namorando?Quando eu entrei no doutorado, entrei livre. Porque não consegui uma bolsa, tenho que trabalhar, então por conta disso fica muito complicado. A gente faz como pode, né?