Nesta última semana de março comemora-se um acontecimento que enche de
orgulho e de espírito ufanista o povo cearense. Há 128 anos, a então Província
do Ceará tornava-se a pioneira na luta pela abolição da escravatura no Brasil.
Vários fatores contribuíram para esse pioneirismo. Numa comparação com outras
províncias do país, a terra de José de Alencar não recebeu uma significativa
leva de escravos. Algo em torno de 35 mil, vieram do continente africano,
principalmente de Angola e Congo. Chegavam com um alto preço para a economia
local, baseada na pecuária extensiva, uma atividade que não necessitava de
elevada mão-de-obra e que ainda facilitava a fuga dos escravos para o inóspito
sertão.
A acentuada crise na economia brasileira, sobretudo no Nordeste, no
final do século XIX, agravada ainda mais pelas constantes secas, passou a
resultar na venda de escravos para outras regiões do país. Tentando manter o
sistema escravocrata no Norte e Nordeste, fazendeiros paulistas conseguiram a
proibição legal desse comércio evitando o que aconteceu nos Estados Unidos
entre as colônias do Norte e do Sul. Com isso, tornou-se inviável manter
escravos nas fazendas cearenses, o que colaborou para o processo de libertação.
No ano de 1868 existia na província uma orientação da Assembléia
Legislativa para alforriar escravos, de preferência mulheres e crianças
recém-nascidas. Por essa época surgiram sociedades civis de combate à
escravidão, como a loja maçônica Fraternidade Cearense e a sociedade
Perseverança e Porvir. Em 8 de dezembro de 1880, é fundada em Fortaleza, a
Sociedade Cearense Libertadora, entidade formada por 225 sócios republicanos e
abolicionistas, que se reuniram na denominada “Sala do Aço”, sob o juramento
“matar ou ser morto em bem da abolição”.
Na ocasião do juramento, a sociedade era presidida pelo intelectual
cearense, natural de Santana do Acaraú, João Cordeiro. O jornal do grupo,
denominado Libertador, denunciava os abusos cometidos contra escravos e
organizava manifestações públicas apregoando o fim do tráfico negreiro. Pela
grande dificuldade em atracar navios, devido ao mar bravio, a capital cearense
era um péssimo ancoradouro, o que fazia dos jangadeiros um elemento de suma
importância para a economia local, já que o embarque e desembarque no porto de
Fortaleza tinha que ser feito por meio de embarcações pequenas e insubmersíveis
conhecidas como jangadas.
A forte campanha abolicionista, em 1881, convenceu os jangadeiros
cearenses a não mais realizar o transporte de escravos para terra firme. Sob o
lema “No Ceará não se embarcam mais escravos”, o movimento, comandado por
Francisco José do Nascimento, o Dragão do Mar, ganhou significativa simpatia da
população cearense. A manifestação alcança toda a Província, e a Vila do
Acarape, atual município de Redenção, que tornou-se, em 1º de janeiro de 1883,
durante a visita do jornalista e abolicionista fluminense, José do Patrocínio,
a primeira localidade no Ceará a libertar seus escravos, no que foi seguida por
Pacatuba, Icó, Baturité, Maranguape, Messejana e Aquiraz, dentre outras. Tal fato, propiciou, por parte de José do Patrocínio, a denominação da
Província do Ceará de “Terra da Luz”. Aliás, Patrocínio fazia-se presente em
terras alencarinas atendendo à sugestão do poeta de Aracati, Paula Nei para,
segundo Raimundo Girão, em sua obra A Abolição no Ceará, “aconchegar-se
ali aos que, sem nenhum temor, combatiam a serpente lérnica da escravidão”.
Em 25 de março de 1884, o imposto sobre a propriedade de escravos na
província do Ceará tornou-se maior que seu valor de mercado, contribuindo para
acelerar o processo final de abolição. Levantamento do Ministério da
Agricultura apontou que, em pouco mais de um ano, mais de 22 mil escravos foram
alforriados. Esse fato mereceu as seguintes palavras do jurista, diplomata e
abolicionista pernambucano, Joaquim Nabuco: “O que o Ceará acaba de fazer não
significa por certo ainda – O BRASIL DA LIBERDADE; mas modifica tão
profundamente o BRASIL DA ESCRAVIDÃO, que se pode dizer que a sua nobre
província nos deu uma nova pátria. A imensa luz acesa no Norte há de destruir
as trevas do Sul. Não há quem possa impedir a marcha dessa claridade”.
A Boa Nova logo chega em todos os rincões do país e deu alento e ânimo
aos republicanos, abolicionistas e escravos das demais regiões, que inclusive
passaram a ter o Ceará como rota de fuga e certeza de poderem gozar da sonhada
liberdade na “Terra da Luz”.
Parabéns pelo blog!!!
ResponderExcluire parabéns para o CE pelas suas maravilhosas conquistas.